Matéria publicada em 16/06/2020 no site olharjuridico.com.br
A crise sanitária mundial provocada pela pandemia do Covid-19, popularmente chamado Corona Vírus, provocou uma abrupta mudança nos diversos setores da sociedade. O Poder Judiciário foi um dos grandes afetados, tanto pela atuação imprescindível para manutenção da ordem e garantia do equilíbrio institucional no país, quanto pela necessidade de rápidas modificações estruturais no sentido de possibilitar que mesmo sem a habitual modalidade presencial a atividade jurisdicional continuasse por meio dos meios eletrônicos e virtuais.
De um lado temos a adequação da prestação jurisdicional mas por outro consideramos que os operadores do direito estão se reinventando para melhor atuação frente a crise econômica e sanitária.
Entendemos que mais que nunca há necessidade dos advogados buscarem soluções negociadas antes da judicialização, e por mais difícil que seja precisamos exercitar conscientemente a cidadania, o que pode soar meio utópico, já que tanto as condutas individuais quanto as coletivas têm indiscutível racionalidade econômica. Precisamos enquanto operadores do direito entender a realidade para identificarmos ações concretas.
Nosso judiciário não encerra em si um conceito homogêneo, isso por estar sujeito a regras diversas e realidades potencialmente distintas o que impossibilita aos diferentes órgãos jurisdicionais brasileiros um tratamento uniforme. Necessário considerar as diferenças estruturais das Justiças especializadas, além das distinções entre tribunais superiores e locais, assim como entre magistrados que atuam no primeiro grau de jurisdição.
Mas algo tem de certa forma equalizado situações, as circunstâncias de estarmos relativamente isolados, trabalhando à distância utilizando recursos tecnológicos, tem “uniformizado” nossa atuação, já que tanto no primeiro grau quanto no órgão máximo da estrutura judiciária brasileira, o STF, estamos igualmente atingidos por uma nova sistemática de praxis do direito objetivo e da solução de conflitos.
A diversidade de processos judiciais também impossibilita uma análise idêntica da repercussão do acúmulo de processos de execução fiscal, de controvérsias contratuais, entre consumidores, fornecedores ou grandes agentes econômicos, ou processos referentes ao direito de família, dentre outros, e por mais que tenham sido todos afetados igualmente pela crise oriunda da pandemia, os efeitos nestes não são iguais, e haverá necessidade de encontrar soluções distintas para os diversos processos, repensando inclusive a sistemática do acesso à justiça.
Os advogados precisam pensar em buscar cada vez mais soluções negociais e técnicas alternativas de resolução de conflitos, sempre que possível. Entendemos que é preciso estimular as formas de solução extrajudiciais de conflitos também sob perspectiva transindividual, envolvendo tanto órgãos internos dos fornecedores e também os adequados representantes, que não devem cumprir apenas o papel de legitimados ativos para demandas coletivas, mas igualmente o de protagonistas de soluções de autocomposição com observância da legalidade, da impessoalidade, da transparência e da preservação do interesse público.
Seria o início de uma análise mais profunda de modo a repensar a relação entre tutela coletiva e individual, já que a subsistência da concorrência entre uma e outra, no contexto em que vivemos, evidencia ainda mais a inconveniência desse modelo. Em termos econômicos, a pura e simples admissão de coexistência de tutela coletiva e de demandas individuais gera um encargo que tende a ser oneroso para o sistema, obrigado que está a processar cada uma das demandas individuais. E nem mesmo o modelo de julgamento de “casos repetitivos” e “precedentes” pode superar isso a curto prazo, na medida em que a uniformização da jurisprudência em nosso país, acostumado ao sistema de aplicação de diversas leis federais, leva tempo, tempo esse do qual não dispomos neste momento.
Consideramos que seria importante tentar encontrar alternativas comuns a litígios civis e empresariais, apesar da visão homogênea de fenômenos distintos poder levar a conclusões distorcidas. Em termos econômicos, a ideia básica seria a de tornar o ingresso em juízo uma atitude mais responsável e considerar os custos envolvidos nesse, parece ser uma necessidade.
A estrutura da conciliação/mediação judicial precisa ser revista para atrair os jurisdicionados e efetivamente levar a um resposta mais rápida na resolução do conflito, e vemos ser hora de estimular a consideração, pelas partes e pelos advogados, de que a solução consensual e antecipada com a utilização da mediação extrajudicial pode ser mais célere e economicamente mais vantajosa, em muitos casos.
Estas são algumas análises iniciais que propomos neste momento para que todos possamos discutir caminhos para a crise que nos atinge sob o aspecto sanitário, econômico e judiciário.
Dynair Alves de Souza, é advogada cível e empresarial e Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da ABA-Cuiabá.